Vital Moreira e PS<br> - faces da mesma moeda
A apresentação de Vital Moreira como candidato do PS ao Parlamento Europeu, suportada na valorização da sua qualidade de «independente» é tão falsa quanto a independência do seu trajecto político e posições políticas. Não se trata apenas, nem sobretudo, da assunção do mandato de deputado na legislatura de 1997. Mas sim da mais esclarecedora prova de enfeudamento ao PS, às suas orientações e à sua política que a sua continuada intervenção pública (testemunhada pela mais de uma centena de artigos com que foi sublinhando e subscrevendo a acção governativa ao longo destes últimos quatro anos) inequivocamente confirma.
Da alegada independência...
Vital Moreira, que se preparava para aceitar um convite de um canal de televisão para integrar um painel de comentadores políticos, esgrimiu em 2005 a sua indignação contra a RTP pelo convite dirigido a Marcelo Rebelo de Sousa pelo facto de a «sua qualidade de dirigente partidário» não assegurar «isenção e imparcialidade política e de equilíbrio no tratamento das opiniões politico-partidárias» (Público, 25/01/05). Sem se ignorar a natureza do carácter público de televisão, importa sublinhar que, em matéria de isenção e imparcialidade, não é difícil concluir quem, pelas suas opiniões, se revela mais parcial e mais alinhado: se o militante MRS ou o «independente» Vital!
Ainda mal estavam lançadas as eleições de 2005, já Vital Moreira bramia argumentos para defender e suportar o objectivo do PS de uma maioria absoluta. No início de Janeiro (Público, 04/01/05) defendia que «em termos de estabilidade política e governativa, só resta portanto a solução da maioria absoluta. O PS faz bem em colocá-la como objectivo central do seu empenho eleitoral». E acrescentava que a frontalidade com que Sócrates a defendia, responsabilizava também os cidadãos. E sentenciava que se lha não derem «não poderão depois exigir-lhes o impossível». Dias mais tarde (Público, 01/02/05), dramatizando o objectivo de maioria absoluta, VM pressagiava que «em caso de vitória sem maioria absoluta, o mais provável é a instabilidade governamental, se não mesmo a ingovernabilidade» cujo resultado seria «um governo frágil e a prazo incerto, sem vantagem para ninguém e com prejuízo para todos sobretudo para a esquerda».
E ensaiava já (Público, 01/02/05) a defesa das propostas eleitorais do PS de «consolidação das finanças públicas, cumprimento do Pacto de Estabilidade, reforma da gestão hospitalar e da administração pública em geral». Vital Moreira que, em 2005 não só defendia o referendo sobre o Tratado Constitucional Europeu como sublinhava que isso constituía um «dos pontos de honra» do PS (Público, 04/01/05), mudou de posição com a rapidez e destreza com que o rasgar da promessa por parte do PS lhe exigia.
O que seria de esperar, depois do esforçado exercício de glorificação de qualidades que em período pré-eleitoral implicitamente identificava em Sócrates e no PS em contraponto a Santana e ao PSD – «programas eleitorais demagógicos e compromissos incumpridos» (Público, 18/01/09) da parte destes, em contraste com a «postura assinalavelmente responsável do PS» - seria que agora, quatro anos passados de promessas não cumpridas pelo Governo, não colaborasse com quem, usando a sua expressão de então, «sacrifica a seriedade e a credibilidade das eleições».
E, uma vez mais, agora no limiar das eleições de 2009, ei-lo de volta, a fazer coro com Sócrates e as suas ambições de poder absoluto, escrevendo em tom de ameaça que «bastará que nas próximas eleições legislativas o partido vencedor não tenha a maioria absoluta para que regresse o espectro da instabilidade governamental» (Público, 30/12/08).
…ao papel de «grilo falante»
da política de direita do Governo PS...
Ainda as eleições não tinham assentado, já Vital Moreira do alto da sua independência proclamava «a justiça do veredicto popular» (Público, 22/02/05) vaticinando então que, face a uma legislatura mais larga em tempo, o «Governo tem por isso mais do que tempo para dar conta do recado». Iniciava-se assim uma intervenção pública no papel de caixa de ressonância e laboriosa justificação da acção do PS e da sua ofensiva contra direitos e conquistas sociais, que não tendo dado conta do recado, está a dar cabo do País.
Em Março de 2005 exercitava já a defesa, ainda que em nome de critérios gerais e de uma alegada reforma mais vasta, da substituição dos boys do PSD pelos do PS. Lamentava-se VM, «não parece razoável que um novo governo (…) se veja constrangido a continuar a trabalhar com pessoal dirigente da confiança pessoal e política da equipa anterior» (Público, 01/03/05).
Em nome das privatizações, e em sua defesa, constatava desvanecido que «tem sido possível compatibilizar a empresarialização, a privatização e o mercado com a lógica do serviço público» (Público, 08/03/05) e confessava-se aí rendido ao «saldo em geral muito positivo» que as parcerias público-privadas ou a privatização da PT e da EDP representavam.
No seu papel de «batedor» da acção do Governo, VM preparava já no primeiro mês de Governo PS o terreno contra os chamados interesses corporativos «desde as associações patronais aos sindicatos» (Público, 15/03/05) sublinhando a necessidade de proceder «à revisão das situações de privilégio» verberando a sua equiparação a «direitos adquiridos». E advogava, à altura, a defesa do aumento idade da reforma para os trabalhadores da administração pública interrogando-se, e respondendo, «se não se prolonga a idade da reforma, aumentando os anos de desconto como é que se resolve...» (Público, 28/06/05).
Fazendo coro no ataque em construção dirigido pelo Governo contra os trabalhadores da administração pública, Vital Moreira, numa perigosa aproximação à contestação do direito à greve, anotava no seu Blogposts (causa-nossa) que «estes trabalhadores para além das diversas vantagens que já têm sobre os do sector privado têm ainda um outro privilégio: as suas greves não prejudicam somente a entidade patronal mas sim, e sobretudo, a população em geral» (Público, 21/06/05). Uma atitude de questionamento de liberdades e direitos que conheceu novos afloramentos quando questionou direitos cívicos dos militares ao interrogar-se se fará «sentido que a lei proíba manifestações militares e depois sejam consentidas reuniões públicas e fora dos quartéis, que mais não são do que manifestações, embora sem desfile...» (Público, 20/09/05) ou direitos dos juízes ao afirmar que o «sindicato dos juízes vai fazer greves, o que é bizarro para titulares de cargos públicos...» (Público, 27/09/05).
Atento e solícito, VM procedia, com meio ano de mandato decorrido, a um elucidativo exercício de aconselhamento e enaltecimento à acção do Governo. Dizia então: «nem tudo correu pelo melhor, o modo como conduzirem o arranque do novo ano político é agora decisivo» (Público, 06/09/05). E justificava as dificuldades: «a resistência dos sectores prejudicados pela perda de privilégios, o preço do petróleo, a prolongada seca que aniquilou boa parte da produção agrícola (e nós a pensar que era a política de destruição e abandono da agricultura da política de direita a causa!), a conjuntura económica europeia». Registando entre os êxitos governativos «o notável conjunto de medidas, tanto no ataque à crise orçamental (leia-se obsessão pelo défice, aumento do IVA e outras políticas restritivas inerentes) como na concretização de corajosas reformas na administração pública (leia-se ataque aos direitos dos trabalhadores)», exortava o Governo a prosseguir, desvendando o que por detrás do apoio dado a uma maioria absoluta se escondia, – indo em frente nas sua reformas e prosseguir sem hesitações nas «difíceis medidas que tem vindo a tomar» porque «é para isso que servem as maiorias absolutas» anotando que o «único juízo que o governo deve temer é somente o daqui a quatro anos».
E no rescaldo da derrota do PS nas autárquicas de Outubro, justificada com os «efeitos colaterais» da política do Governo, exortava, receoso de alguma hesitação, o PS a assumir esses resultado «como fenómeno natural e reafirmar que só a continuação das reformas poderá trazer, a prazo, uma inversão do sentimento negativo da opinião pública» (Público, 11/10/05).
Um a um, Vital Moreira incentivou, caucionou e justificou cada passo do Governo na ofensiva contra direitos, na destruição de serviços públicos, no ataque à descentralização.
Na segurança social, a par das medidas do Governo na área traduzidas em aumento da idade da reforma ou na desvalorização do valor das pensões, VM enfatizava não ser de mais «apreciar a determinação do actual governo para conjugar a necessária disciplina das finanças públicas com a inadiável reforma dos sistemas de protecção social» (Público, 15/11/05). E, meses mais tarde, perante os objectivos já conhecidos «antecipação da fórmula de cálculo aprovada em 2002, aplicação de factor de sustentabilidade tendo em conta aumento da esperança de vida, definição de critérios objectivos na actualização designadamente inflação e crescimento económico...», exultava sobre o «modo como foi preparada, anunciada e implementada» considerando-a como só podendo ser credora de «aplauso» (Público, 02/05/06).
Nos primeiros passos do encerramento generalizado dos serviços públicos, verberava a resistência dos «interesses profissionais ou localistas» face ao que designava de «reordenamento da rede escolar do ensino básico (…) a redefinição dos serviços públicos de saúde, bem como de maternidades e serviços de urgência» (Público, 07/02/06).
No ensino, VM adepto do processo de Bolonha, considerado por este como «ocasião única» (Público, 10/05/05) para o futuro do ensino superior em Portugal interrogava-se, inquieto com alguma demora, em artigo titulado «É desta?» (Público, 11/06/06) sobre o andamento da reforma do ensino superior. Pronunciando-se sobre um novo modelo de governo das universidades, avisava sobre indesejáveis «margens de compromissos» apontando a via de «afastar os funcionários da gestão, reduzir substancialmente o peso dos estudantes, aumentar a participação dos elementos exteriores (talvez a pensar na situação hoje vivida de, a cada instituição, um banqueiro como patrono)», numa linha de pensamento retomada posteriormente em defesa da “universidade-fundação” (Público, 19/11/06) apresentada como modelo de «diversificação e flexibilização dos modos de organização e gestão do sector público». E valorizando as «sobejas provas da ministra da Educação de que não se deixa impressionar pela contestação» avisava que a reforma da educação «até pode render mais votos na população em geral do que os que faz perder entre os professores» (Público, 04/03/08).
Na saúde, entremeada por genéricas afirmações de devoção ao SNS, foi sempre explícito o apoio ao encerramento dos serviços de saúde sustentado na tese de que «mais vale ter serviços mais qualificados a alguma distância, do que ter maus serviços ao pé de casa» (Público, 22/01/08), mostrando-se rendido a esse «movimento de “nova gestão pública” em que se insere nomeadamente a gestão empresarial dos hospitais (...) bem como a externalização dos meios complementares de diagnóstico». E mesmo quanto ao seu financiamento, registando ser provável «que o financiamento do sistema de saúde por via dos impostos contribua para diluir a consciência da dimensão dos custos do SNS na opinião pública e para obnubilar a responsabilidade individual sobre o seu financiamento», VM aproveitava para especular «sobre uma hipótese de mudança de filosofia de financiamento do SNS, tornando cada um de nós mais directamente responsável pelos custos da saúde, transferindo do fisco para um seguro de saúde obrigatório a totalidade ou uma parte substancial do financiamento daquela» (Público, 21/02/06).
Inquieto com eventuais hesitações do Governo em matéria daquilo que denomina de privilégios, Vital, lembrando que «o governo atacou com toda a pertinência a maior parte dos regimes de saúde especiais do sector público (embora sem os extinguir como deveria)...», interrogava-se sobre se restaria «um fôlego adicional na via reformista do governo» para acabar com a ADSE, indignando-se com o facto de serem «os contribuintes em geral a suportar as regalias privativas dos funcionários públicos em matéria de cuidados de saúde» (Público, 03/10/06).
Na justiça, foi lesto a sublinhar ser de «aplaudir em geral» o acordo entre PS e PSD (Público, 12/09/06). Em matéria de descentralização, navegando erraticamente entre afirmações de princípio (que não iludem a sua contribuição para a derrota da criação das regiões administrativas em 1998 de que o seu artigo «Coimbricídio» foi expressão maior) sobre as virtudes da regionalização e os argumentos para justificar as orientações centralistas do governo, Vital exorta a que «a via definida no programa do actual Governo deveria merecer a concordância de todos que desejam caminhar com segurança...» (Público, 01/05/07). E caucionando a estratégia governamental de adiamento da regionalização e de controlo da políticas regionais via soluções de desconcentração, afirmava, conformado, «trata-se de medidas virtuosas em si mesmas, ainda que nunca venha a haver descentralização regional. Na falta dela, ainda mais se justifica a desconcentração regional da administração do Estado».
Em todos os momentos Vital prestou-se ao papel de reserva de ânimo da acção governativa seja pelas «vitórias» que lhe ia descortinando, seja pelo incentivo ao prosseguimento da sua acção. Dois exemplos entre muitos que poderiam ser adicionados: a recomendação presente no seu blogue em que, perante sinais de quem no PS se manifestava «apreensivo com a recente contestação social do governo, como se houvesse alguma surpresa nisso» se apressava a traçar o rumo futuro afirmando que «mais ingénuo seria, porém, pensar em apaziguar a contestação renunciando a fazer o que tem de ser feito» (Público, 17/10/06); a leitura de incentivo à política do Governo que a propósito das eleições intercalares conseguiu fazer do resultado do PS (uma das mais baixas votações de sempre) ao proclamar que «o grande triunfador da jornada política de domingo na capital é José Sócrates» (Público, 17/07/07). E acrescentava: «a meio da legislatura (...) Sócrates não poderia esperar melhor tónico».
Prestando-se ao que poucos se prestariam, brandiu a sua indignação contra os que, como o PCP, alertavam para o aumento da pobreza afirmando «insistem na denúncia de aumento da pobreza entre nós, que nenhum indício confirma, antes pelo contrário» (Público, 10/06/08). Talvez para aliviar a consciência de quem como ele meses atrás havia justificado «que numa economia de mercado e numa democracia liberal, um governo de esquerda não tem de se inquietar com o aumento dos ricos (…) mas não pode deixar de se inquietar com o aumento da pobreza, mesmo que relativa» (Público, 18/09/07).
Triunfal, expunha em «A caminho de 2009» (Público, 18/09/07) a táctica para a segunda metade do mandato PS, identificando os respectivos objectivos após proclamar que «nenhum governo procedeu a tantas reformas em tão pouco tempo». Para ele, olhando para o Governo «não se podia deixar de saudar a adopção da modernização como a principal linha da actual maioria» pelo que isso traduziria «em termos de resposta aos problemas do país» (Público, 26/02/08).
A idolatria de Vital pela obra de destruição governativa tem o seu ponto alto quando, a meio caminho entre o ridículo e a bajulação, exclama que «a têmpera de um governo mede-se pela lucidez e pela determinação no meio das dificuldades inesperadas e exógenas» exortando o Governo a «manter o rumo, na tempestade» (Público, 03/06/08).
…ao federalista convicto e neoliberal assumido
Adepto confesso da chamada Constituição europeia, VM não poupou argumentos para desvalorizar a rejeição ditada pela vitória do Não em França no referendo e para justificar o seu alinhamento com a dita. Na linha do isto ou o caos, prenunciava uma Europa arrastada pelo resultado, a não ser invertido, «para uma crise de confiança e de desorientação» condenada «à deriva sem leme no meio da tempestade» (Público, 31/05/05). A lição dos franceses parece tê-lo levado, a exemplo de Sócrates, dando o dito por não dito, a remeter o referendo no nosso país para a terra do nunca. Não fosse o diabo tecê-las tratou de adiantar: «sempre considerei que este tratado era especialmente intratável como objecto de referendo (...) sendo verdadeiro aventureirismo político submetê-lo a aprovação popular» (Público, 17/06/08).
Na defesa e justificação do Tratado de Lisboa não regateou elogio ao que designa como «dignas de aplauso as mudanças trazidas pelo novo tratado» (Público, 23/10/07) adiantando como prova a «criação do ministro dos Negócios Estrangeiros e da Defesa». Rendido ao que designa como a «nova constituição social da UE» apresenta como um dos progressos do novo tratado «num melhor compromisso entre a economia do mercado, a concorrência e o mercado interno, por um lado, e o modelo social europeu, por outro lado» (Público, 11/12/07). E, já muitos meses antes, desvendando o seu mais profundo pensamento afirmava que «o Banco Central Europeu não pode ser o bode expiatório do défice da política económica da UE, a Constituição não pode voltar a ser o cordeiro sacrificial da falta de rumo ou do descontentamento popular contra as política da UE» (Público, 12/12/06).
Para remate, nada melhor para atestar o zeloso papel de Vital Moreira na garantia de que a política de direita, os seus objectivos e interesses não sejam perturbados do que reter a sua confessada contestação sobre os méritos da alternância. Escreveu então: «esse rotativismo entre os dois grandes partidos (PS e PSD) tem permitido um funcionamento regular e relativamente bem sucedido do nosso sistema político. (...) trata-se partidos suficientemente diferentes para funcionarem como alternativa um ao outro; por outro lado, são suficientemente próximos para as mudanças de governo se façam sem risco de rupturas políticas imprevisíveis...» (Público, 22/04/08). É caso para se dizer que se o convite do PSD tivesse chegado mais cedo, Manuela Ferreira Leite poderia já dispor de candidato!
Vital Moreira, que se preparava para aceitar um convite de um canal de televisão para integrar um painel de comentadores políticos, esgrimiu em 2005 a sua indignação contra a RTP pelo convite dirigido a Marcelo Rebelo de Sousa pelo facto de a «sua qualidade de dirigente partidário» não assegurar «isenção e imparcialidade política e de equilíbrio no tratamento das opiniões politico-partidárias» (Público, 25/01/05). Sem se ignorar a natureza do carácter público de televisão, importa sublinhar que, em matéria de isenção e imparcialidade, não é difícil concluir quem, pelas suas opiniões, se revela mais parcial e mais alinhado: se o militante MRS ou o «independente» Vital!
Ainda mal estavam lançadas as eleições de 2005, já Vital Moreira bramia argumentos para defender e suportar o objectivo do PS de uma maioria absoluta. No início de Janeiro (Público, 04/01/05) defendia que «em termos de estabilidade política e governativa, só resta portanto a solução da maioria absoluta. O PS faz bem em colocá-la como objectivo central do seu empenho eleitoral». E acrescentava que a frontalidade com que Sócrates a defendia, responsabilizava também os cidadãos. E sentenciava que se lha não derem «não poderão depois exigir-lhes o impossível». Dias mais tarde (Público, 01/02/05), dramatizando o objectivo de maioria absoluta, VM pressagiava que «em caso de vitória sem maioria absoluta, o mais provável é a instabilidade governamental, se não mesmo a ingovernabilidade» cujo resultado seria «um governo frágil e a prazo incerto, sem vantagem para ninguém e com prejuízo para todos sobretudo para a esquerda».
E ensaiava já (Público, 01/02/05) a defesa das propostas eleitorais do PS de «consolidação das finanças públicas, cumprimento do Pacto de Estabilidade, reforma da gestão hospitalar e da administração pública em geral». Vital Moreira que, em 2005 não só defendia o referendo sobre o Tratado Constitucional Europeu como sublinhava que isso constituía um «dos pontos de honra» do PS (Público, 04/01/05), mudou de posição com a rapidez e destreza com que o rasgar da promessa por parte do PS lhe exigia.
O que seria de esperar, depois do esforçado exercício de glorificação de qualidades que em período pré-eleitoral implicitamente identificava em Sócrates e no PS em contraponto a Santana e ao PSD – «programas eleitorais demagógicos e compromissos incumpridos» (Público, 18/01/09) da parte destes, em contraste com a «postura assinalavelmente responsável do PS» - seria que agora, quatro anos passados de promessas não cumpridas pelo Governo, não colaborasse com quem, usando a sua expressão de então, «sacrifica a seriedade e a credibilidade das eleições».
E, uma vez mais, agora no limiar das eleições de 2009, ei-lo de volta, a fazer coro com Sócrates e as suas ambições de poder absoluto, escrevendo em tom de ameaça que «bastará que nas próximas eleições legislativas o partido vencedor não tenha a maioria absoluta para que regresse o espectro da instabilidade governamental» (Público, 30/12/08).
…ao papel de «grilo falante»
da política de direita do Governo PS...
Ainda as eleições não tinham assentado, já Vital Moreira do alto da sua independência proclamava «a justiça do veredicto popular» (Público, 22/02/05) vaticinando então que, face a uma legislatura mais larga em tempo, o «Governo tem por isso mais do que tempo para dar conta do recado». Iniciava-se assim uma intervenção pública no papel de caixa de ressonância e laboriosa justificação da acção do PS e da sua ofensiva contra direitos e conquistas sociais, que não tendo dado conta do recado, está a dar cabo do País.
Em Março de 2005 exercitava já a defesa, ainda que em nome de critérios gerais e de uma alegada reforma mais vasta, da substituição dos boys do PSD pelos do PS. Lamentava-se VM, «não parece razoável que um novo governo (…) se veja constrangido a continuar a trabalhar com pessoal dirigente da confiança pessoal e política da equipa anterior» (Público, 01/03/05).
Em nome das privatizações, e em sua defesa, constatava desvanecido que «tem sido possível compatibilizar a empresarialização, a privatização e o mercado com a lógica do serviço público» (Público, 08/03/05) e confessava-se aí rendido ao «saldo em geral muito positivo» que as parcerias público-privadas ou a privatização da PT e da EDP representavam.
No seu papel de «batedor» da acção do Governo, VM preparava já no primeiro mês de Governo PS o terreno contra os chamados interesses corporativos «desde as associações patronais aos sindicatos» (Público, 15/03/05) sublinhando a necessidade de proceder «à revisão das situações de privilégio» verberando a sua equiparação a «direitos adquiridos». E advogava, à altura, a defesa do aumento idade da reforma para os trabalhadores da administração pública interrogando-se, e respondendo, «se não se prolonga a idade da reforma, aumentando os anos de desconto como é que se resolve...» (Público, 28/06/05).
Fazendo coro no ataque em construção dirigido pelo Governo contra os trabalhadores da administração pública, Vital Moreira, numa perigosa aproximação à contestação do direito à greve, anotava no seu Blogposts (causa-nossa) que «estes trabalhadores para além das diversas vantagens que já têm sobre os do sector privado têm ainda um outro privilégio: as suas greves não prejudicam somente a entidade patronal mas sim, e sobretudo, a população em geral» (Público, 21/06/05). Uma atitude de questionamento de liberdades e direitos que conheceu novos afloramentos quando questionou direitos cívicos dos militares ao interrogar-se se fará «sentido que a lei proíba manifestações militares e depois sejam consentidas reuniões públicas e fora dos quartéis, que mais não são do que manifestações, embora sem desfile...» (Público, 20/09/05) ou direitos dos juízes ao afirmar que o «sindicato dos juízes vai fazer greves, o que é bizarro para titulares de cargos públicos...» (Público, 27/09/05).
Atento e solícito, VM procedia, com meio ano de mandato decorrido, a um elucidativo exercício de aconselhamento e enaltecimento à acção do Governo. Dizia então: «nem tudo correu pelo melhor, o modo como conduzirem o arranque do novo ano político é agora decisivo» (Público, 06/09/05). E justificava as dificuldades: «a resistência dos sectores prejudicados pela perda de privilégios, o preço do petróleo, a prolongada seca que aniquilou boa parte da produção agrícola (e nós a pensar que era a política de destruição e abandono da agricultura da política de direita a causa!), a conjuntura económica europeia». Registando entre os êxitos governativos «o notável conjunto de medidas, tanto no ataque à crise orçamental (leia-se obsessão pelo défice, aumento do IVA e outras políticas restritivas inerentes) como na concretização de corajosas reformas na administração pública (leia-se ataque aos direitos dos trabalhadores)», exortava o Governo a prosseguir, desvendando o que por detrás do apoio dado a uma maioria absoluta se escondia, – indo em frente nas sua reformas e prosseguir sem hesitações nas «difíceis medidas que tem vindo a tomar» porque «é para isso que servem as maiorias absolutas» anotando que o «único juízo que o governo deve temer é somente o daqui a quatro anos».
E no rescaldo da derrota do PS nas autárquicas de Outubro, justificada com os «efeitos colaterais» da política do Governo, exortava, receoso de alguma hesitação, o PS a assumir esses resultado «como fenómeno natural e reafirmar que só a continuação das reformas poderá trazer, a prazo, uma inversão do sentimento negativo da opinião pública» (Público, 11/10/05).
Um a um, Vital Moreira incentivou, caucionou e justificou cada passo do Governo na ofensiva contra direitos, na destruição de serviços públicos, no ataque à descentralização.
Na segurança social, a par das medidas do Governo na área traduzidas em aumento da idade da reforma ou na desvalorização do valor das pensões, VM enfatizava não ser de mais «apreciar a determinação do actual governo para conjugar a necessária disciplina das finanças públicas com a inadiável reforma dos sistemas de protecção social» (Público, 15/11/05). E, meses mais tarde, perante os objectivos já conhecidos «antecipação da fórmula de cálculo aprovada em 2002, aplicação de factor de sustentabilidade tendo em conta aumento da esperança de vida, definição de critérios objectivos na actualização designadamente inflação e crescimento económico...», exultava sobre o «modo como foi preparada, anunciada e implementada» considerando-a como só podendo ser credora de «aplauso» (Público, 02/05/06).
Nos primeiros passos do encerramento generalizado dos serviços públicos, verberava a resistência dos «interesses profissionais ou localistas» face ao que designava de «reordenamento da rede escolar do ensino básico (…) a redefinição dos serviços públicos de saúde, bem como de maternidades e serviços de urgência» (Público, 07/02/06).
No ensino, VM adepto do processo de Bolonha, considerado por este como «ocasião única» (Público, 10/05/05) para o futuro do ensino superior em Portugal interrogava-se, inquieto com alguma demora, em artigo titulado «É desta?» (Público, 11/06/06) sobre o andamento da reforma do ensino superior. Pronunciando-se sobre um novo modelo de governo das universidades, avisava sobre indesejáveis «margens de compromissos» apontando a via de «afastar os funcionários da gestão, reduzir substancialmente o peso dos estudantes, aumentar a participação dos elementos exteriores (talvez a pensar na situação hoje vivida de, a cada instituição, um banqueiro como patrono)», numa linha de pensamento retomada posteriormente em defesa da “universidade-fundação” (Público, 19/11/06) apresentada como modelo de «diversificação e flexibilização dos modos de organização e gestão do sector público». E valorizando as «sobejas provas da ministra da Educação de que não se deixa impressionar pela contestação» avisava que a reforma da educação «até pode render mais votos na população em geral do que os que faz perder entre os professores» (Público, 04/03/08).
Na saúde, entremeada por genéricas afirmações de devoção ao SNS, foi sempre explícito o apoio ao encerramento dos serviços de saúde sustentado na tese de que «mais vale ter serviços mais qualificados a alguma distância, do que ter maus serviços ao pé de casa» (Público, 22/01/08), mostrando-se rendido a esse «movimento de “nova gestão pública” em que se insere nomeadamente a gestão empresarial dos hospitais (...) bem como a externalização dos meios complementares de diagnóstico». E mesmo quanto ao seu financiamento, registando ser provável «que o financiamento do sistema de saúde por via dos impostos contribua para diluir a consciência da dimensão dos custos do SNS na opinião pública e para obnubilar a responsabilidade individual sobre o seu financiamento», VM aproveitava para especular «sobre uma hipótese de mudança de filosofia de financiamento do SNS, tornando cada um de nós mais directamente responsável pelos custos da saúde, transferindo do fisco para um seguro de saúde obrigatório a totalidade ou uma parte substancial do financiamento daquela» (Público, 21/02/06).
Inquieto com eventuais hesitações do Governo em matéria daquilo que denomina de privilégios, Vital, lembrando que «o governo atacou com toda a pertinência a maior parte dos regimes de saúde especiais do sector público (embora sem os extinguir como deveria)...», interrogava-se sobre se restaria «um fôlego adicional na via reformista do governo» para acabar com a ADSE, indignando-se com o facto de serem «os contribuintes em geral a suportar as regalias privativas dos funcionários públicos em matéria de cuidados de saúde» (Público, 03/10/06).
Na justiça, foi lesto a sublinhar ser de «aplaudir em geral» o acordo entre PS e PSD (Público, 12/09/06). Em matéria de descentralização, navegando erraticamente entre afirmações de princípio (que não iludem a sua contribuição para a derrota da criação das regiões administrativas em 1998 de que o seu artigo «Coimbricídio» foi expressão maior) sobre as virtudes da regionalização e os argumentos para justificar as orientações centralistas do governo, Vital exorta a que «a via definida no programa do actual Governo deveria merecer a concordância de todos que desejam caminhar com segurança...» (Público, 01/05/07). E caucionando a estratégia governamental de adiamento da regionalização e de controlo da políticas regionais via soluções de desconcentração, afirmava, conformado, «trata-se de medidas virtuosas em si mesmas, ainda que nunca venha a haver descentralização regional. Na falta dela, ainda mais se justifica a desconcentração regional da administração do Estado».
Em todos os momentos Vital prestou-se ao papel de reserva de ânimo da acção governativa seja pelas «vitórias» que lhe ia descortinando, seja pelo incentivo ao prosseguimento da sua acção. Dois exemplos entre muitos que poderiam ser adicionados: a recomendação presente no seu blogue em que, perante sinais de quem no PS se manifestava «apreensivo com a recente contestação social do governo, como se houvesse alguma surpresa nisso» se apressava a traçar o rumo futuro afirmando que «mais ingénuo seria, porém, pensar em apaziguar a contestação renunciando a fazer o que tem de ser feito» (Público, 17/10/06); a leitura de incentivo à política do Governo que a propósito das eleições intercalares conseguiu fazer do resultado do PS (uma das mais baixas votações de sempre) ao proclamar que «o grande triunfador da jornada política de domingo na capital é José Sócrates» (Público, 17/07/07). E acrescentava: «a meio da legislatura (...) Sócrates não poderia esperar melhor tónico».
Prestando-se ao que poucos se prestariam, brandiu a sua indignação contra os que, como o PCP, alertavam para o aumento da pobreza afirmando «insistem na denúncia de aumento da pobreza entre nós, que nenhum indício confirma, antes pelo contrário» (Público, 10/06/08). Talvez para aliviar a consciência de quem como ele meses atrás havia justificado «que numa economia de mercado e numa democracia liberal, um governo de esquerda não tem de se inquietar com o aumento dos ricos (…) mas não pode deixar de se inquietar com o aumento da pobreza, mesmo que relativa» (Público, 18/09/07).
Triunfal, expunha em «A caminho de 2009» (Público, 18/09/07) a táctica para a segunda metade do mandato PS, identificando os respectivos objectivos após proclamar que «nenhum governo procedeu a tantas reformas em tão pouco tempo». Para ele, olhando para o Governo «não se podia deixar de saudar a adopção da modernização como a principal linha da actual maioria» pelo que isso traduziria «em termos de resposta aos problemas do país» (Público, 26/02/08).
A idolatria de Vital pela obra de destruição governativa tem o seu ponto alto quando, a meio caminho entre o ridículo e a bajulação, exclama que «a têmpera de um governo mede-se pela lucidez e pela determinação no meio das dificuldades inesperadas e exógenas» exortando o Governo a «manter o rumo, na tempestade» (Público, 03/06/08).
…ao federalista convicto e neoliberal assumido
Adepto confesso da chamada Constituição europeia, VM não poupou argumentos para desvalorizar a rejeição ditada pela vitória do Não em França no referendo e para justificar o seu alinhamento com a dita. Na linha do isto ou o caos, prenunciava uma Europa arrastada pelo resultado, a não ser invertido, «para uma crise de confiança e de desorientação» condenada «à deriva sem leme no meio da tempestade» (Público, 31/05/05). A lição dos franceses parece tê-lo levado, a exemplo de Sócrates, dando o dito por não dito, a remeter o referendo no nosso país para a terra do nunca. Não fosse o diabo tecê-las tratou de adiantar: «sempre considerei que este tratado era especialmente intratável como objecto de referendo (...) sendo verdadeiro aventureirismo político submetê-lo a aprovação popular» (Público, 17/06/08).
Na defesa e justificação do Tratado de Lisboa não regateou elogio ao que designa como «dignas de aplauso as mudanças trazidas pelo novo tratado» (Público, 23/10/07) adiantando como prova a «criação do ministro dos Negócios Estrangeiros e da Defesa». Rendido ao que designa como a «nova constituição social da UE» apresenta como um dos progressos do novo tratado «num melhor compromisso entre a economia do mercado, a concorrência e o mercado interno, por um lado, e o modelo social europeu, por outro lado» (Público, 11/12/07). E, já muitos meses antes, desvendando o seu mais profundo pensamento afirmava que «o Banco Central Europeu não pode ser o bode expiatório do défice da política económica da UE, a Constituição não pode voltar a ser o cordeiro sacrificial da falta de rumo ou do descontentamento popular contra as política da UE» (Público, 12/12/06).
Para remate, nada melhor para atestar o zeloso papel de Vital Moreira na garantia de que a política de direita, os seus objectivos e interesses não sejam perturbados do que reter a sua confessada contestação sobre os méritos da alternância. Escreveu então: «esse rotativismo entre os dois grandes partidos (PS e PSD) tem permitido um funcionamento regular e relativamente bem sucedido do nosso sistema político. (...) trata-se partidos suficientemente diferentes para funcionarem como alternativa um ao outro; por outro lado, são suficientemente próximos para as mudanças de governo se façam sem risco de rupturas políticas imprevisíveis...» (Público, 22/04/08). É caso para se dizer que se o convite do PSD tivesse chegado mais cedo, Manuela Ferreira Leite poderia já dispor de candidato!